25 de setembro de 2010

"A memória é uma prisão"

Lembro dela exaltando a dor,
falando de como suas tragédias tinham a deixado forte.
Lembro dela em um dia de chuva,
reclamando e dizendo que a vida era uma merda,
que não havia justiça e que eu era um idiota machista.
Lembro de uma cãibra durante uma foda
e do desprezo que ela sentia por mim e
de como isso me dava um tesão estranho e doentio.
Lembro das tardes de inverno,
sempre lembro das tardes de inverno,
mesmo quando elas não existiram
e eu as inventava
bebendo whisky durante tardes de domingo.
Lembro dela exaltando a poesia do Renato Russo,
dizendo literalmente a poesia do Renato Russo
e eu sentia esse ódio cheio de tesão
e nós fazíamos amor,
mas só falávamos eu te amo quando
trepávamos de quatro.
Lembro dela colhendo flores e dizendo
que queria morar numa casa ensolarada,
onde teria um cachorro e dois filhos machinhos.
(Ela ria quando falava machinhos...)
Lembro dela preocupada com a feridinha que apareceu em sua buceta
e lembro da pomada que o médico recomendou
e que eu passava nela e ela em mim.
E o nome disso era Amor.
Lembro até da gente fazendo planos:
cachorros, gatos, filhos machinhos
e jardim com cebolinha, salsinha e manjericão.
Lembro de tudo ou quase tudo.
Lembro da noite fria em que ela teve pressão baixa
e peguei sal do cara que vendia milho cozido
e a gente sentou no meio fio
e ficamos beijando por horas.
Lembro do seu cabelo pintado de loiro
e das confusões que arranjávamos para espantar o tédio.
Lembro que, mesmo assim,
a gente não conseguiu espantar o tédio.