12 de fevereiro de 2009

sobre os butecos e pés sujos.

Há qualquer coisa ali que só se pode observar desse jeito: entre uma cerveja e outra, semi embriagado, com a t.v ligada e nenhum foco específico. Se um bêbado invade a espelunca surge um foco e, portanto, a observação discreta é limitada. Mas quando não há nenhum foco é uma maravilha.

Vejo coisas que entendo, mas que nem sei se sou capaz de explicar.

Sem dúvida ler o bom e velho Bukowski me ajudou a entender essa ternura que surge no meio da merda. Sou um tipo que me influencia, embora quem não me conheça ache que não. Sou mole e vulnerável como só um bêbado legítimo pode ser.

Mas o ponto é o bar e suas histórias. Então volto à ele.

Foi onde eu vi:


  1. Uma mulher, verdadeiramente vulgar, cantando e dançando uma música da Alcione que era um tanto feminista e tola, mas que ganhou um sentido absurdo com aquela preta ruim berrando aquilo como a última verdade do mundo. Depois de 1 min. o bar, que estava cheio e barulhento, calou e ficou por 2 min. a vendo cantar e dançar. Houve aplauso no final e foi sincero. Ninguém alí abordou àquela preta ruim depois disso. Só o "show" importou e, em um bar, isso é respeitado.

  2. A Solange e o Antônio discutindo porque ele não poderia estar no aniversário dela. Eu, mais que ele, vi a cara frustrada dela. Ela é mais bêbada do que ele e, confesso, ele é quase um santo. Ela e ele são incrivelmente parecidos, desses casais estranhos que parecem irmãos. Ele é agente da funerária daqui de baixo e ela é doméstica de uma velhinha que lhe libera pra beber e acordar tarde, "11:30", segundo ela. "Pra preparar o almoço", segundo ela ainda. O fato é que eles são amantes há 10 anos e ele tem família em Maricá. No dia do aniversário em questão ele não estaria no Rio e...sem chance. Mas ela, mesmo sendo bêbada e desagradável, sentiu uma dor grande e imensa. Dessas que a gente sente junto porque entende que não há mesmo solução pra algumas coisas.

  3. Um solitário que quer conversar com o Coimbra e traz um livro. Ele fica ansioso e, afinal, consegue mostrar o seu livro. Ele tá lá, citado no livro, pois, "sim sim, ele fez parte da Jovem Guarda". É um músico bêbado que responde ao desafio do maldito Coimbra atendente: "- olha aí, olha aí, eu te falei." E o Coimbra nem dá muita bola pra ele e ele fica ali, abraçado ao seu livro e ao seu orgulho de si. É um homem justo, por assim dizer. Tem aquele sorriso de bêbado melancólico e se agarra com o livro que tem a sua foto. É um homem justo, eu repito.
  4. O quanto os cocainômanos são desagradáveis e desnecessários. Com a palavra o próprio Coimbra: "- pô! só da confusão! nem consomem e sempre reclamam da conta! ah...meu amigo Alfredo é pra quem eu ligo amanhã!." O Alfredo é PM e toma coca-cola de graça. Apenas isso, por mais simples que pareça. ( O Coimbra fala isso pra mim porque sabe que eu, como ele, acho os cocainômanos uns chatos de galocha.)
  5. Uma mulher de uniforme entra. O Coimbra a respeita, o que não é comum. Ela é nova e deve trabalhar em alguma farmácia de manipulação. Comenta pro Coimbra que "o dia foi fogo e que precisava de uma cerveja hoje." Mas depois, quando venho pra casa e passo bem próxima à ela, eu reparo: é mais uma bêbada solitária que não chegou a decadência total. Conserva o corpo, eu penso. Sabe que o corpo acaba e fica feliz por ainda o ter, eu penso também. E ponho a mão no fogo que ela bebe em casa, escondida, pois ir ao bar todo dia 'pegaria mal'.
  6. A velha que bebe e é cheia de opinião. É uma velha de uns 70 que acabou de perder a mãe. E ela sempre chora quando bebe muito. E sempre lembra de sua "mãezinha' nesse momento. E todos do bar dão atenção à ela. E mesmo o Coimbra lhe dá atenção. Ela paga bebida pra alguns e se acha muito inteligente porque recebe O Globo diariamente em sua casa. E, invariavelmente, toda vez que me encontra no elevador ela pergunta: "E a globo? Como que é vai?"
  7. "Melhor encontrar essa velha no bar do que no elevador", eu penso, apenas antes de dormir e terminar a postagem diária do blogue.