21 de janeiro de 2010

Pastos velhos para éguas novas.

(foto de Ernesto Matos)

Punheta do passado. É isso que ela gosta de fazer. Ama ter amado os amores que não deram certo. Adora sentir saudades de todos que a desprezaram. Seus olhos apertados e escuros fazendo sombra em seus enormes dentes brancos.

Fêmea com cara de cavalo. Potranca forte e de pata dura. Comendo pasto, procurando pasto, tentando galopar. Sem cela, sem arreio. Os olhos fixos como os olhos vidrados de um cavalinho de carrossel. A agonia petrificada e pintada de tinta preta.

O cavalinho do carrossel funciona assim: não para nunca, olha sempre pra frente e nem nota que gira em círculos. Ele se incomoda com as criancinhas que trepam nele e esquece que ele, como cavalinho de carrossel, foi feito justamente pra ser trepado por criancinhas ranhentas e desagradáveis.

Mas ela segue. E ela sofre e come pasto. Combate o tédio com grama verde. Lembra da sua enorme tristeza e se sente muito vital. Porque, em algum momento, ela entendeu a própria tristeza. E interpretou a própria tristeza como um lado poético de sua personalidade de mulher-cavala.

Nas noites sem lua ela relincha satisfeita e se vê em grandes parques de diversão, fazendo parte de um carrossel imenso, dourado e cheio de luzes que piscam frenéticas. Um carrossel de ouro que faz um giro belíssimo com 100 metros de diâmetro.

Ela cavalga veloz e sente o vento na cara. Ela se considera feliz, apesar de tudo. Ela não é boa, ela não é má. Ela é apenas o que pode ser. E isso, infelizmente, não é muita coisa.