1 de dezembro de 2008

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Se eu fosse Deus e decidisse
então estaria tudo pronto.
E tudo seria justo e decente
e os perigos seriam apenas diversões
para crianças entediadas.
Seria tudo certo e puro.
Tudo traria novidade e calma
e as almas
seriam bailarinas
dançando alegremente
e
sem nenhuma
preocupação
com o excesso de peso.

#

Minha dor sem tamanho se revirando. Há quem ache que eu goste de dor, mas não é verdade. É que eu queria aquelas coisas, aqueles milagres e aquelas grandezas. Eu tenho desde criança esse delírio. E sempre me consolo de duas maneiras: ou me masturbando muito ou escrevendo.
As duas punhetas praticadas com as mãos.
*
A casa era muito bonita e arejada. Ela costumava acordar antes de mim e me trazer coisas na cama: frutas, café e, um dia, até um cigarro aceso. Ficava sentada do meu lado e passava as mãos nas minhas costas pra me acordar.
Quando ela me trazia chá, geralmente de gengibre, ela, depois que eu tomava o tal chá, me beijava, ou melhor, puxava meu lábio inferior com os dentes e segurava meu lábio por um bom tempo, depois me dava instruções pra eu respirar fundo, soltando meu ar pela boca e fazendo com que os olhos dela lacrimejassem com o ardido do gengibre.
Ela sempre fazia isso, pelo menos uma vez por semana. Era estranho, mas eu gostava. Quanto mais ela lacrimejava mais ela apertava meu lábio com os dentes. As vezes até sangrar. Era um tipo de cumplicidade que ela tinha estabelecido e eu respeitava: ela com suas lágrimas e eu com meu sangue. Parecia honesto e verdadeiro, nós dois nos machucávamos, mas sem nunca nos separar.
Depois ela aprendeu a dirigir. Era sempre ela que dirigia nosso carro. E sempre, sempre, sem exceção, dirigia louca e veloz. Ficava com um sorriso na boca enquanto guiava com uma rapidez desnecessária e arriscada. Eu me cagava de medo, mas fazia o possível pra não demonstrar. Quando ela quase batia soltava uma gargalhada e apertava minha perna.
- Essa foi por pouco, neguinho...
- É, foi, foi.
Ela gargalhava com o rosto virado pra mim. Eu respondia sem tirar os olhos da estrada.
Quando nasceu o nosso primeiro filho a gente ficou 1 ano e 1 mês sem trepar. Ela dizia que depois que nosso filho tinha saído dela, ela não queria que nada mais entrasse. Dispunha-se a me masturbar sempre que eu quisesse, mas sem nenhuma penetração, nem oral nem nada. Depois de alguns meses ela me disse que estaria de acordo caso eu transasse com alguma mulher, mesmo uma puta, desde que eu tomasse as devidas precauções. Disse que entendia as necessidades físicas de um ser humano. Eu não disse nada.
13 meses depois a gente transou. Quando eu estava dentro dela, assim que eu enterrei meu pau o máximo que pude dentro dela, ela me disse muito séria: eu te odeio.
Tentei sair de dentro dela, mas ela não deixou. Disse que pra ela era importante me odiar, que ela não conseguiria trepar comigo caso me amasse.
A separação foi inevitável, mas demorou. Nossa segunda filha era surpreendemente loira e risonha. Um desses bêbes que quase nunca chora, que ri muito e parece um anjo. Quando nosso bêbe tinha 4 meses ela me disse, quase calma, que preferia ela. Que ela, nossa segunda filha, era a mais amada e que, se fosse o caso, ela preferia que nosso outro filho ou mesmo eu morresse. Inclusive disse que preferia perder os dois do que perder aquela anja loira e calma.
Um ano depois a gente se separou. O desgaste completo, a imbecilidade de dividir coisas que não haviam sido feitas pra dividir. O toma lá da cá.
As mágoas surgindo nos detalhes mais idiotas, a morte por sangramento de pequenas alfinetadas. O fim.
(...)

simples assim.

Não gosto de saltos ou pulos
e também
não gosto de caronas.
Não ligo,
no entanto,
quando me pedem cigarros.