4 de julho de 2010

)(

Vejo uma garota de bicicleta. Penso que poderia ser você. Estou atravessando a rua e estou sem óculos. Espremo meus olhos em frente a padaria pra tentar distinguir alguma coisa, mas sem sucesso. Acho que não era você. Concluo que achei que poderia ser pelo jeito que a garota pedalava - com força na parte da frente das pernas. E também por ser uma garota grande em uma bela roupa florida.
Volto pra casa com as cervejinhas e o cigarro e penso que beleza seria:
Você me atropelando com sua bike como numa comédia romântica americana.
Câmera lenta: meu passo na rua, o pneu da bicicleta batendo na minha perna e nós dois caindo atrapalhadamente (comédia, lembra?).
Daí a gente se levantava e se via. Agora teria aquele maravilhoso clichê do tempo que pára quando os dois amantes se olham no olho um do outro. Câmera lenta abruptamente interrompida. Os amantes se reconhecem:
- não acredito.
- nem eu.
- você não olha por onde anda, não?
- você não sabe andar de bicicleta?
- você sempre me atrapalha!
- você que me atrapalha! Quem mandou passar de bicicleta em frente à minha casa?
- ah...a culpa é minha, né? A rua é sua, né?
- que idiota...olha só o que você fez...
- e você...olha aqui, olha aqui!
- machucou?
- um pouco...
- deixa eu ver.
- ai!
- tá doendo?
- claro, né?
- deixa eu dar um beijinho que passa...(beija)
- que nojo!
- o quê?
- beijar meu joelho esfolado! que nojo! é bem a sua cara isso! se mete na minha frente, faz eu cair e machucar o joelho e depois acha que um beijinho resolve...você se acha, né? aposto que acha que eu passei aqui de propósito, né? cara, sério...você é muito...
- (ele interrompe a fala dela com um beijo na boca)
- você é louco!
- você é linda!
- cara...você não pode fazer isso não...acha que eu sou o quê? você se mete na minha frente, faz eu cair e agora vem e faz de conta que...
- (interrompe a fala e a beija)
- que mania, cara!
- você é linda!
- olha, para com isso...acha que eu sou criança, é? acha que falando isso, você vai...
- (interrompe a fala e a beija. beijo mais longos que os anteriores)
- cara, você é muito idiota, sabia?
- sabia.
Ele se levanta e a ajuda se levantar. A câmera se afasta. Vão pro canto da rua. Não ouvimos mais o que eles dizem, mas o padrão se repete: ela falando e ele a interrompendo com beijos. A câmera se afasta cada vez mais. Os dois viram apenas dois pontinhos distantes no meio da Rua da Passagem.
---FIM---