18 de abril de 2010

Domingo de sol, casa vazia e solidão satisfeita.

Sou eu mesmo e meu peito urge. Estalo a cerveja antes das duas da tarde. Piano na vitrola e Aldir Blanc cheio de dor cantando coisas que eu sempre entendi e entenderei.
Eu estou aqui. Eu sou eu. Eu e minhas repetições. Nelsão faz cada vez mais sentido.
Ostento o arroto, acendo o cigarro e vejo meu pau mucho dentro da cueca. Não há lamentos porque não houve enganações, me diz o anjo bom que fica no meu ombro esquerdo. (E o anjo mau onde foi parar? Tão melhor companhia que o anjo bom...)
Domingo na cabeça e cerveja gelada. 3/4 de uma garrafa de whiskey e o desejo vaidoso de despertar meus demônios - amigos fiéis e imprescindíveis que sempre me lembram da existência do sangue. Ah, o sangue... Estar vivo é ter demônios.
Meus arquivos estão abertos e minha pança está inchada. A cerveja, a maldita cerveja, tirando minha fome e estufando meu abdômen. Nessas horas, quando olho a bola que é minha barriga, penso: nem se precisa de muito pra viver. Cervejinhas e delírios de grandeza. Só os milagres interessam.
No prédio há cheiro de comida. Carne assada e macarrão seria o prato perfeito. Talvez um frango de padaria lentamente distrinchado pela mulher amada. Ela reclamaria que eu nunca saio e eu lhe diria eu te amo. (A vida boa e simples também é um delírio de grandeza, Maria...)
E eu aqui. Ouvindo música alta e bebendo. Lembro da minha infância. Meu pai fazia isso. A gente acordava com a música alta e ele semi-embriagado. Minha mãe na função almoço ouvindo as histórias e palpites do meu pai. (A vida boa e simples de novo, Maria.) E eu e minha irmã, adolescentes e burros, achando tudo aquilo besta - como se tudo aquilo fosse só um domingo qualquer. E não era um domingo qualquer. Era, na verdade, o único domingo que existe. O domingo da infância e do passado, ancestral e bom e simples. Como se bom e simples fosse realmente simples.
Até porque nessa época eu não sabia da tristeza velada que existe em todo ser humano. A vida fatal, o tempo fatal, as dores que se acumulam com mais ou menos sabedoria. Eu não sabia que o tempo agia e que o vigor diminuía. Que perdemos vitalidade, mas ficamos mais espertos. A inocência não volta. Inocente aos 30 é estupidez.
É pela perda da inocência que criamos utopias e romantismos. É nossa resistência formulada, racional e articulada. Repito: não há lamento porque não houve engano. Meu pai, minha mãe, minha irmã e os domingos: nós temos o tempo, nós somos o tempo.
Repito o disco do Aldir e preparo a 2° dose de whiskey. Meus demônios estão em paz. Para minha glória e desgraça meus demônios estão em paz. Lembro do Beckett falando do tempo. Era bonito pacas e é uma pena eu não ter isso de cor.
Domingão, álcool e música alta. Eu gosto do que eu posso ter. A vida boa e simples, passa por aí, não é Maria?
Gostar do que se tem é, às vezes, um milagre.
Por tristes ironias e gracinhas do mundo, o post abaixo ganha novos sentidos.
Foi um post programado e agora que está aí não há motivos pra tirar.
Porque é isso mesmo: não há motivos.

Atriz de Infantil.

Ela é loira e grande. Tem as ancas largas e é levemente estrábica. Olhos claros. Desde a primeira vez que que a vi a achei tesuda. Tem sardas no rosto e as ancas são realmente muito largas, quase - eu disse quase - desproporcional ao conjunto. Se eu não me engano, ela tem 33 anos - o que, enfim, só a torna mais interessante.
Desde que nos conhecemos, nos cumprimentamos. Quer dizer, na verdade não nos conhecemos. Já estivemos na mesma mesa de bar 3 ou 4 vezes. E nos encontramos por aí: em filas, bancos, ruas e mercados. E sempre nos cumprimentamos. Somos muito educados.
Uma vez, numa mesa de bar, ela gostou da minha piada. Um treco besta que falei sobre a areia de Ipanema. Ela mora em Ipanema. Riu das minhas piadas que falam mal do mar sujo do Rio de Janeiro, disse até que nunca ia à praia no Rio de Janeiro.
Ela sempre está acompanhada por amigos gays e modernos. Sempre tenho a impressão de que ela se sente meio deslocada. Não por estar com amigos gays e modernos, mas porque ela faz menos barulho do que eles. Nas mesas de bar que partilhamos foi assim: amigos gays e modernos e falantes, e ela - que eu nunca paro de olhar - várias vezes com o pensamento longe e a cabeça baixa. Um charme, uma coisa. E também as ancas enormes.
Ela é uma dessas mulheres que eu acho que me dariam. Não sei explicar por que. Mas acho que ela me daria. Tenho essa impressão com algumas mulheres. Penso em segredo quando as vejo: essa mulher me daria.
(E isso não quer dizer que essas mulheres realmente me dariam. Quer dizer apenas que eu acho que elas me dariam. E como eu não acho que todas as mulheres me dariam, tá tudo certo.)
Na última mesa de bar que dividimos fiquei olhando pra ela ostensivamente. Estava na vibe-vaidosa queroqueelavejaqueeuaestouolhando. De modo que ostentei e ostentei. Mirei as ancas, o decote, a cruzada de pernas e até a boca. Ela notou e eu me dei por satisfeito.
Pensei em segredo novamente: essa mulher me daria.