22 de outubro de 2010

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aqui eu mesmo. minha bela pança berrando vaidades que não existem e nem procedem. ser mal, ser bacana, ser a farsa, ser o que se inventa. a liberdade como uma moeda de 50 centavos no chão: a gente se abaixa pra pegar. e nem percebe que os 50 centavos custaram o cofrinho e, junto com ele, toda a dignidade.
dignidade... legal... bela palavra, reconheço... mas lembro o meu avô dizendo dignidade e ele dizia absurdos, mesmo sendo o homem mais digno que conheci. ele dizia: 'nordestino é vagabundo' - ele era nordestino. fazia sentido. ter ódio do que se é e não se pode fazer nada. uma fraqueza e uma tolerância. fraqueza dele. solidão minha porque repito: ele era digno.
nasceu em 1918, mas foi registrado em 19. era teimoso e, pra sua época, era inusitado: achava que suas irmãs mulheres também deveriam ler e escrever como os homens. o pai dele, meu bisavô, não entendia. achava que suas filhas iriam escrever pros machos e virar prostitutas. a ignorância é um tipo de paraíso: nada se sabe e tudo se condena.
meu avô teimava em relação a escrever e ler, mas, mesmo assim, achava que mulheres desquitadas era uma coisa errada. ou os homens eram canalhas ou as mulheres eram putas. sempre assim: ou um ou outro. o sistema binário mais coerente que já vi.
e ele agonizava. câncer. câncer no estômago comendo sua velhice e sua satisfação. ele mantinha sua dignidade e me dava seus toques. ele tinha ido pra guerra e não tinha morrido. era um pracinha. foi quando as coisas melhoraram... a aposentadoria, essas coisas.
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estamos em 2010. você me dá lições de vida post morten. o diabo sorri. nem deus nem diabo existem. a garota me disse que vivo do passado. ela nem me ama nem me odeia. ela também tem avô morto e entende sobre dignidade. ela imagina ser livre. eu também. nossos avôs, os verdadeiros portadores da dignidade, estão mortos e rezam no caixão. eles ainda nos amam e também nos influenciam, mesmo mortos há muito tempo atrás.
dignidade... essas palavras terríveis.

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