23 de outubro de 2011

é domingo e tem r. charles na vitrola.

  • ouvir as músicas dos pretos e achar que o mundo é bom. Não resolve nada e isso não é importante. Prazer: essa delícia que é tirar as casquinhas de uma ferida.
  • fosse paixão escolha, resolvia: a moça que tirava fotos e de quem não ouvi a voz. Descobri seu nome por facilidades de facebook, mas concluí: essa coisa de romance pela Internet é um bocado brega.
  • os coleguinhas estão tristes e eu também. É falta de coisas antigas. Utopia, por exemplo. É difícil sem o mínimo de utopia. A realidade é uma cidade feia; a utopia é a satisfação de um desejo. Tenho que entender isso melhor. Porque é fatal e tem que querer ser fatal, desejar ser fatal. Ou então será apenas mais um aspecto da vida. Assim, como um super-mercado que divide seus produtos em gôndolas. É prático e eficiente, ninguém duvida; mas, ah, vamos lá, ainda é legal sonhar que a vida pode ser inteira.
  • onde está sua realização? Sentir-se realizado é o fino e o sentido. Sentido inventado, é bom lembrar. Então cumpre-se missões, dedica-se a projetos, esforça-se para fazer junto o que poderia ser feito separado. O que há? O que sustenta? Devo estar numa fase mística-amorosa e, por isso, respondo: ou sua vida tem importância para além de si mesmo ou sua vida é um monte de cacos reunidos num suspeito mosaico. Ter bons cacos não é ter uma boa vida. Se é pra ser utópico: que a vida seja inteira e enorme e, não a soma de diversas 'coisas positivas.'
  • o amor é bom e acalma. A merda é que deixa as pessoas apáticas e satisfeitas. Ama-se com facilidade e conveniência. O amor é um bem que facilmente vira mal. Torna-se o deposito de tudo que pode ser e não é. Amor que é apenas coqueluche. Amor como caixinha dourada, como plantinha semeada para que vire árvore e forneça sombra. Sombre pra quê? Amor que só dá paz e não produz, que não se mistura com a vida e nem cria coisas novas.
  • lembrei hoje: o cara do ônibus que fez um discurso choroso dizendo ser HIV positivo. Fiquei encarando ele porque acho apelativo esse tipo de coisa. Ser HIV não justifica nada. Ele pedia dinheiro. Não lembro se só pedia ou se vendia algo para pedir. Eu tava no meio do ônibus. Antes de passar por mim, teve duas pessoas que deram dinheiro pra ele. Fiquei olhando. Ele passou e foi até o fim do ônibus. Depois voltou, parou onde eu estava e disse: "- obrigado por me olhar enquanto eu falava". Ele falou choroso como antes e fiz um sinal de cabeça. Pensei o óbvio: o mundo tá todo errado. Eu o olhava por desconfiança e não por generosidade. De qualquer maneira - e também por gracinhas do mundo - acreditei que ele era realmente HIV positivo. Mas não dei dinheiro pra ele. Jamais daria.          

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