29 de novembro de 2010

Era sexta, mas poderia ser quinta.

- tesão é coisa pra criança. É simples: basta roçar o pau (ou a buceta, tanto faz) em uma quina de mesa.
Mas ela não me entendia. Dizia que eu nunca tinha tido tesão na vida. Que tesão é foda, que tem tesão que surge do nada e vira paixão, amor e sei lá mais o quê. Ela falava que havia vários graus de tesão. Tesão de amigo, tesão de amor, tesão de primo, tesão de cuca, tesão de... Era infinito os graus de tesão, ela me explicou:
- tipo os céus do Chico Xavier, tá ligado?
Eu não tava ligado. Eu tava bêbado. Eu tava satisfeito de estar ali. Eu queria conversar. Apenas conversar. Eu não queria discutir tesão ou Chico Xavier ou filmes de arte.
Conversar. Tão decente conversar. Um fala e o outro fala. Ninguém prova nada pra ninguém e as horas passam agradáveis entre uma cerveja e outra.
- quero ficar bêbada, cara! quero tomar vodka, cara!
- bebe aí.
- me acompanha?
- nem...
- chatinho você, hein?
Sorri balançando a cabeça. Não entendi nada de nada. Por que alguém que quer ficar bêbado precisa anunciar isso? Por que não querer vodka faz de mim chatinho? O mundo é complicado. Vodka deve ser mais legal pra ela do que pra mim. Vai ver eu sou chatinho. Vai ver eu deveria ter dito:
- pode crer, vodka-bayb.
As cervejinhas me bastavam. Eu não me incomodava dela beber vodka, cachaça ou o que fosse. Eu só não queria beber vodka, cachaça ou o que fosse. Era simples. Deveria ser simples.
- mó caído você não me acompanhar na vodka.
Minha cabeça balançava e eu sorria. Eu pensava que devia sumir, cair fora. Que é melhor ficar só do que ficar numa mesa com um mulher que acha que discussão é o maior barato.
Ela também falava "questões", "contemporaneidade", "geração Y" (ou "X", tanto faz) e, como não podia faltar, "transcendência" e "atitude zen".
Conversar. Apenas conversar. Parece tão decente. Não precisamos foder, não precisamos sentir tesão, não precisamos de questões. Conversar é uma coisa simples, não é?
- o que você não entende é que tudo, tudo mesmo, têm um significado. Não há acaso, há destino. Tudo fala. Seu corpo fala, sua respiração fala. Tá tudo conectado, cara... não há coincidência.
Eu fazia contas. Deveria ir embora assim que a vodka acabasse. Talvez pagar a conta direto no balcão e desaparecer. Talvez dar tchau e levantar. Eu precisava sair. Eu estava satisfeito, já disse. Mas precisava sair, sumir, etc. A saideira e a conta pedida direto pro garçom foram a solução. Sem consultas, sem histórias, sem "caras" e sem "caído" isso ou aquilo.
Vem a conta. Há um milagre no ar, mas ela se esqueceu que coincidências não existem. Ela tá no telefone e é a minha brecha. Deixo a metade do dinheiro, engulo meu copo e faço sinal pra ela de que "vou nessa". Antes dela falar me levanto e me despeço. Sou simpático e digo "até a próxima".
Na rua a vida volta a ficar boa, ter dinheiro pro táxi é outro milagre que ela não percebeu. Tenho whisky em casa e um maço cheio no bolso. Finalmente converso. O taxista é um cara bacana que gosta de música boa e têm uma foto da patroa no carro. Selma, o nome da patroa. Casado há 8 anos e continua apaixonado, ele diz.
- minha mulher é linda, tá vendo? Claro que é difícil, mas eu sou apaixonado por ela até hoje. Amanhã é dia da gente sair. Todo sábado saímos. A gente vai prum barzinho perto da área e fica bebendo e conversando. No domingo a gente almoça na casa dos irmãos dela.
- mas vocês nunca brigam?
- claro que a gente briga, pô... mas olha pra ela... ela linda ou não é?
Mexo minnha cabeça dizendo sim enquanto reparo nas belas sardas que a mulher dele tem. Digo que mulher sardenta é um charme e ele retruca sem nem pensar no que diz:
- não é? E nos peitos então...nossa senhora!!!!
Ele ri e eu também. Saindo do táxi eu solto um "bom passeio com a patroa amanhã". Ele diz que amanhã a coisa é séria, que vão num baile aí e que ele terá que dançar. Ele nem gosta de dançar, mas dança com ela, ele explica.
- as mulheres gostam de dançar, você sabe.
Resmungo um "sei, sei" e dou boa noite.
É sexta. É quase uma da manhã. Subo pra casa e lembro da Selma Sardenta.
Se ela tivesse falado sobre "tesão em sardas" eu teria entendido o que ela disse. Mas ela não falou sobre isso e eu não entendi.
É... devo ser mesmo chatinho.

2 comentários:

Ândrea Fricks disse...

Muito bom, Fernandinho!!!
ks.

fmaatz disse...

Fernandinho Rocks!
rá!
bjs.