19 de março de 2010

Ela não gostou quando eu lhe chamei de bonita.


Quando eu lhe falei da suavidade das garotas de 19 anos, ela me arranhou e falou que nem aos 16 tinha sido assim.
Então, por falta de assunto,
eu lhe falei sobre minha mãe e minha vó.
Comentei que gostava muito delas e
que achava bom ter morado por 2 anos em São Paulo com a minha avó.
Ela riu, acendeu o cigarro, jogou a cabeça pra trás e gargalhou.
- você é mesmo o típico gordinho da mamãe, ela disse.
- aposto que sua avó cortava frutas pra você, ela insistiu.
Mudei de assunto e lhe falei dos meus escritores americanos
e das incríveis paisagens dos filmes do Win Wenders.
Isso pareceu a acalmar então continuei falando
sobre essas coisas que sempre se falam:
arte, sociedade, ecologia responsável e misticismos em geral.
Mais animada ela me contou sobre sua grande aventura no México
e sobre os 2 anos em que trabalhou como garçonete bilíngue em Transatlânticos pelo Pacífico.
Falou dos gringos que a comeram,
dos passageiros que a comeram,
dos marujos que a comeram.
Descreveu pênis de várias nacionalidades
e comentou que japoneses podiam ser surpreendentes.
Me perguntou seu eu era bi ou careta.
Eu disse careta e como um cowboy americano ela soltou com voz anasalada:
- como saber se não gosta se nunca experimentou, nénem?
Eu não disse nada e ela continuou.
Parecia se sentir muito livre quando disse:
- eu quero experimentar tudo e todos, nénem
e me tacou um estranho beijo na boca.
Língua dura e boca imensa.
- curto sua barba, nénem. Faz eu me lembrar que estou com um homem.
- você é homem mesmo, num é néé-nem?
Eu sorri. Era o que eu podia fazer.
Pensei na minha vó e na minha mãe.
Pensei em frutas cortadas.
Pensei em salas de cinema vazias.
Pensei nos churrascos da minha adolescência em Curitiba.
Pensei no dia em que tirei minha carta de motorista.
Pensei em domigos chuvosos.
Pensei em alugar 5 filmes na promoção e não sair de casa.
Pensei que na Ilha do Mel eu gostava de boiar no mar calmo.
Pensei nos namorados das minha primas.
Pensei nos sanduiches do Cervantes.
- já tá tarde, nénem. Vai me arrastar pra sua casa ou não vai?
Pensei nos animais do Zoológico.
Pensei nas crianças adotadas.
Pensei na dor de corno do Tim Maia.
Pensei no meu pai falando do dia em que o homem pisou na lua.
Pensei no desenho que ganhei da Fran e que foi rasgado.
Pensei nas gordas que jogam bingo.
Pensei na vida rural dos meus antepassados.
- então tá certo, nénem. Eu não sou mulher pra você num é?
Pensei nas 4 farmácias da Rua da Passagem.
Pensei na minha irmã querendo casar na igreja depois de toda rebeldia.
Pensei na Negona que elogiava meu pau.
Pensei nas corujas do Parque Iguaçu.
Pensei no bolo de cenoura que a Iza faz.
- tá aqui o dinheiro de 4 cervejas. Eu divido a conta, né nénem?
Pensei nas tatuagens da estilista paulista.
Pensei na maternidade da Andrea.
Pensei no casamento da Anna e do Vaccari.
Pensei no lençol que mais gosto e tá rasgado.
Pensei no pessoal que tem tartaruga como animal de estimação.
- mÓ prazer te conhecer, nénem. A gente se vê por aí.
Pensei no "Além do Horizonte" do Roberto e do Erasmo.
Pensei em calendários de mulheres nuas.
Pensei em cinzeiros cheios e xícaras de café.
Pensei na Urca e sua beleza.
Pensei nas manhãs de inverno de Curitiba.
O Miguel trouxe a conta e eu incluí a saideira.
Bebi devagar olhando a rua quase vazia.
Uma criança, preta e bonita,
pediu pra eu ajudar comprando amendoim.
Comprei e voltei pra casa.
Eu me sentia muito bem, na verdade.

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