22 de fevereiro de 2010

Pra pisar no chão do inferno.

(Posso dizer que estou livre porque meu pacote foi completo).

1 -
Domingo sinistro nas ventas. O dia mais longo do ano de 2010. Por algum mistério do maldito cosmos é assim que estão todos. A amiga que terminou seu romance, a outra amiga com sua intensidade interna em conflito com seu instinto de preservação e o amigo que, do contra, mas cheio de sentido, se sente bem pela possibilidade de um futuro verdadeiramente novo. Estamos todos lá. Fazemos firulas e implicamos uns com os outros. Por prazer e intimidade.
2 -
O motivo da reunião é nobilíssimo: uma criança que comemora. Cerveja e salgadinhos pros adultos e escorrega e trepa-trepa pras crianças. Um equilíbrio quase perfeito. Claro que há muitas ironias no ar. A tristeza de um casal que finge não ter tristeza, a ruiva-falsa e sua mudança de data de retorno, a mulher mais bonita que é lésbica e nunca olharia pra mim - mesmo que olhe de um jeito que não é o que eu gostaria.
3 -
Mas não importa. Estamos no mundo e ele gira cheio de crueldades. Reparar em flores é sempre uma fraqueza: pra mim, pra nós e pro ser mais poderoso da terra. Em outras palavras: o mundo só gira porque não repara nas flores.
4 -
Volto antes da expectativa. Eles reclamam e argumentam que agora é a hora: a maioria irá embora e haverá cerveja e maconha. Concordo com o bom argumento, mas volto mesmo assim. Ando com uma gravata de Carnaval pelas ruas. Gravata da festa e que pus pela festa. Vermelha de bolinhas amarelas. Passo em frente a uma casa e abaixo a cabeça. A ironia é eterna e o mundo é cheio de gracinhas.
5 -
Decido que devo tocar o chão do inferno. Se a loucura existe eu não posso a ignorar. Na caminhada decido que vou até o fim. Farei o circuito, me entregarei na mão de um monte de trágicos-palhaços e dormirei bem morto hoje. A morte, ainda que me pareça terrível, pode ser a paz.
6 -
Estratégia feita e Coimbra na fita. Faz anos que não vou lá e por isso hoje eu vou. Vou mijar na privada mais nojenta da Z. Sul e vejo as marcas de merdas de vidas passadas. Tento, como um herói sem um dragão, limpar, com o jato do meu mijo amarelo, a bosta ressecada e marrom que está incrustada na louça. Perco a tentativa e assumo que a bosta incrustada é a vencedora. Bebo uma aqui e levo o resto pra casa.
7 -
Bebendo no Coimbra penso em 3 coisas e leio o papel sobre Jesus que fala sobre ovelhas que recebi no meio do caminho. Reparo no jogo de cartas dos caras e acho que é melhor mesmo eu não saber jogar o que eles jogam. Acendo um cigarro pra ver se a lei anti-fumo já chegou aqui e fico contente ao saber que não. Respiro fundo e sinto o cheiro de mijo de cachorro misturado com amônia que prevalece no bar.
As baratinhas passeiam por perto, mas não as deixo passear pelo meu copo. Eu é que mando. Sou um local, um caiçara. Peço o saquinho pras cervejas que levo e ouço a velha e repetida piada machista. Ok, se eu sei do se trata, eu topo.
8 -
Em casa o arquivo aberto e uma ou outra navegada na Internet. Nenhuma novidade e nenhum milagre, infelizmente. Decido o sabor da pizza, mas seguro o pedido. Quando eu for comer é pra dormir. Abro pela primeira vez a agenda/2010, faço uma lista fria e preparo meu dia de amanhã: incluo horário pra acordar e caminhada.
Espero que eu siga a lista. Ela é fria, mas tem bom senso. Decido terminar meu whiskey entre uma cerveja e outra. Como uma despedida com cara de até logo.
9 -
O dia foi longo, mas foi o que poderia ser. É estúpido esperar milagres em paisagens desertas. As coisas são lentas e fatais. "Um dia depois do outro", como diz o velho Buk querendo ser mais razoável e dividido pela briga entre o velho que tá pra morrer e a vitalidade que se sente na alma, mas não no corpo. Porque o corpo, querrendo ou não, sempre envelhece pela ação do tempo.
10 -
Já que todos falaram, eu repito também. É amanhã que o ano começa. Primeira segunda pós Carnaval é a explicação/consolo pra todos que sentem cansaço e outras tristezas discretas. Por isso a lista e os planos repetidos.
O ano não começou e só começará amanhã. Amanhã será bem melhor. É sempre bom pensar assim.

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