Arrebento a sua cara com um ódio doce e jamais pensado. Tem essa sua boca vermelha me olhando enquanto faz beicinho. Eu não concordo em nada contigo. Eu vejo todas as merdas que espalha pelo mundo. Eu apenas ainda não entendo se isso vem da sua tristeza ou da sua falta de crença.
Sempre falando mais alto, achando que o volume faz com que seja ouvida. Sempre com caras e bocas, pensando que se expressar faz com que tenha alma. Sua velha matemática de sim e não e gosto e não gosto. Seus métodos de encarar a vida como coisa sem sentido e que está além de suas possibilidades.
(Eu me repito aqui dentro porque eu também tenho minhas boas mentiras que me alimentam e me satisfazem. A diferença entre nós dois é óbvia e patética: eu sou eu e você é você).
Longe de tudo isso tem um monte de gente que segue o mundo de maneira muito mais decente e esperta. Gente pelas tampas que não fica nesse calculo louco que eu faço quando penso numa boa mulher. Gente que segue em paz e que vive bem em companhia de plantas e cachorros. Todos belos à sua maneira, todos importantes em suas futilidades, todos zumbis que arrancam a pele achando que alí está o sangue. Todos eles e todos nós. É como me disse uma velho conhecido: somos apenas uma experiência de Deus, apenas uma maquete do Arquiteto - seja lá o que isso quiser dizer...
E hoje, quando voltava pra casa na chuva, com meu casaco antigo e com estampa do exercito, teve esse pequeno milagre que me salvou a alma:
Uma mulher muito bonita me parou e perguntou o meu nome. Eu respondi e ela pediu desculpas e me explicou que tinha um namoradinho de quando tinha 10 anos com quem estava sonhando muito e que ela achava que eu parecia o que ele seria quando crescesse. Comentou que havia mudado de cidade com 12 anos e que tinha voltado pra cá há pouco tempo e que, desde então, andava sonhando com ele. Disse que estava grávida e que queria ter certeza de que esse namoradinho ainda estava vivo, pois estava com a cisma de que talvez o seu futuro bêbe fosse ele reencarnado, já que sonhava tanto com ele. Eu perguntei pra ela se já tinha procurado a escola em que estudaram a 4° série juntos e o rosto dela se iluminou num sorriso louco e desesperado: " Eu tinha razão quando vim falar com você. Muito obrigada." E pegou na minha mão meio que agradecendo e partiu saltitante com uma saia cinza-executiva. Ainda deu tempo pra eu reparar no seu salto vermelho e na sua bunda fantástica. No Coimbra pensei nela: fiquei na dúvida se o que ela disse era verdade ou mentira. Decidi que não importava e me senti ótimo.
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