Meu saco são duas bolas inchadas e doloridas. Muita gente na merda do mundo. Sai de casa pra ver, pra participar, pra tentar ter alguma relação com a merda do mundo. Andei um bucado, fiquei sem fumar por 2 horas e encontrei com 2 conhecidos. Somos simpáticos e elegantes. Até nos abraçamos.
Precisava andar, mexer as pernas. Meu apartamento é pequeno e sinto falta do sangue circulando. Minhas pernas começam a ficar frias, ter cãibras e estalar. Dores de gordo sedentário. Tomo banho e me alongo. Vou pra merda do mundo.
Ando a esmo em direção ao cinema. É domingo. Todos idiotas e entediados estão lá. Eu sabia, mas arrisquei. Vejo a hora, vejo o filme que pensei em ver e saco a fila. Enorme, ancestral, curvas e curvas. Meu Deus. Se eu sabia por que vim?
Na verdade nessa hora eu nem tava de mal humor. Estava tranquilo, passeando e vendo os rostos humanos. Fiquei impressionado com a quantidade de casais adolescentes na praia de Botofogo. Casais de 16, 15 anos. Andam de mão dadas e mais pulam do que andam: sempre empurram bastante as pontas dos pés. Casais emos, lésbicos, pátricinhos, engajados, roqueiros, etc. A fina fauna dos 16, 15 anos. Tento lembrar de mim nessa idade, mas não consigo.
Desisto do cinema ou volto depois. Ou amanhã. Ou nunca.
Ando a esmo por Botafogo. Ruas sem luz, lugares ermos e vagabundos me pedindo dinheiro. Sou grosso com eles, não quero dar margem pra nenhuma tentativa de convencimento.
Um cretino faz questão de andar do meu lado e no mesmo ritmo que eu. Aquilo me irrita. Ou ultrapassa ou fica pra trás, se decida. Ele mexe no celular. Hoje em dia todos mexem no celular. Eu mexo no celular. Lerdo meu passo e ele vai na frente. Mantenho uma distância confortável, mas ele resolve lerdar de novo. Merda. Cara chato.
Preciso de um restaurante. Álcool e pizza são ótimos no dia anterior, mas tenho um buraco no meio da minha barriga que implora por salada ou qualquer coisa menos junk.
Cadê a vida saudável e calma? Cadê a mulher linda com o vestido branco de algodão cru que passeia comigo aos domingos? Cadê os parques e as crianças? Cadê os amigos e a feijoada? Cadê a soneca pós almoço de domingo? Cadê a vida? Cadê a vida?
Não gostei do restaurante que eu tinha pensado. Tá vazio e parece sujo. Há ruas pra andar. Botofogo se desmembra na minha frente. Achei que logo estaria na S. Clemente, mas não. Ruas escuras se multiplicam. Mais pedintes no caminho.
Agora sim. Desço a rua e sei onde estou. Falta luz num pedaço da quadra. Merda. A raiva cresce, mas o bar do Miguel tá logo alí. Devo ou não devo? Devo.
Sento, peço uma. Do meu lado uma mesa cheia de gente jovem, bonita e tatuada. Ou são músicos/músicas ou são cineastas. É um tipo de gente: esforço para parecer largado, cabelos penteados de maneira a aparentar não ter sido penteado, barbas e óculos.
Meu Deus! Eu devo parecer esses filhos da puta!
Mas penso que eu sou gordo e não tenho tchurma. Me sinto melhor. Não quero parecer com eles. Eu tenho preconceitos. E não sou tão sorridente também.
Perto de mim uma guria pediu um PF de boteco. Reparo nela. Bife, arroz, feijão e batata frita. É loira ainda por cima. Tá com a pele queimada de sol. Deve ser gringa. Devora seu bife de um jeito vital e voraz. Penso que poderia passear com ela aos domingos.
Tomo a segunda, mas meu ódio só aumenta. Tenho que sair daqui. A mesa dos músicos/cineastas só cresce. Vou comer o resto da pizza, meu estômago que se vire. Eu mando nele. Pago e termino a cerveja.
Reparo que devo estar falando sozinho (mexendo a boca) porque os que passam me olham com cara de desconfiados.
Levanto e ando. A guria comeu o PF inteiro. Tem estilo. Até palita os dentes.
Decido entrar no restaurante caro. Gasto 20 pratas. Saladas variadas, peixe e um pouco de massa pra dar sustança.
É domingo e reparo nas famílias entediadas. Mulheres que falam de mais, homens que falam de menos, crianças gordas e velhas avós cheias de bijouteria brilhante e de mau gosto. Há também mesas de adolescentes por conta do rodízio de pizza.
Tem um casal de vinte e poucos na minha frente. Ela faz o charminho da irritadinha e ele o do namorado brincalhão. Meu Deus! Quanta jogada! Tudo parece velho e chato.
Agora minha casa e eu. As pernas estão satisfeitas e bebo mate com gelo. Nada de whisky hoje. Mesmo as cervejinhas devia ter passado sem, mas paciência.
To com o velho Kerouac e terei vislumbres místicos de pureza e vida selvagem. Há uma luminária eficiente ao lado da cama e o sono virá lento e implacável.
Amanhã é segunda e, quem sabe, eu descubra a vida calma e saudável.
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