No último ano pensei muito em liberdade. E liberdade, como um tipo de desejo profundo da nossa espécie é, sem dúvida alguma, um desses valores sagrados que sempre permeou a vida humana, já que essa é capaz de se pensar como vida humana.
Nas tragédias a liberdade é questão, nos grandes movimentos também. Os hippies falavam sobre a liberdade, os comunistas também. Ouso até dizer que mesmo o Sr. Hitler tenha falado disso, embora, de fato, nunca tenha lido algo que me prove isso.
A loucura, em sua plenitude de ideal, ou seja, naquilo que ela tem de melhor, deseja, antes de tudo, a liberdade. Liberdade para ser louco, para não dever explicações. Liberdade para ser sem existir, para que sejamos, enfim, o ser puro que só existe como puro instinto, sem o lapso entre o pensar e o agir.
A nossa dureza de bicho homem é essa: temos a habilidade do espírito e da alma, mas sofremos por saber que essa habilidade existe.
Nesse sentido, somos um bicho dividido e isso nos constrange de maneira profunda e cruel, afinal o constrangimento só existe graças a nossa possiblidade de julgar as ações, sejam elas privadas ou públicas.
Nós pensamos sobre o mundo, mas o mundo não faz questão disso e, isso, isso de pensar sozinho e sem a participação do mundo, é uma dor sem fim, um constrangimento terrível que desafia a gente como ser humano e nos coloca no desprezível lugar de animal.
A ideia de ser só instinto pode ser muito bela, mas a partir do momento em que entendemos que toda e qualquer ideia é apenas resultado da nossa capacidade peculiar de julgar e pensar o mundo, entendemos que a ideia de viver só por instinto é impossível já que ela surge como uma ideia, ou seja, como uma manifestação daquilo que nos divide e dilacera: a velha e plene dor do ser que é espírito e corpo ao mesmo tempo.
Portanto, a liberdade, ou mesmo o desejo de loucura, são, ainda que por via negativa, coisas que afirmam nossa terrível condição humana: um ser dividido que se atrapalha entre o agir e o pensar. Um ser que com sua habilidade criou tudo que existe, para o bem ou para o mal, tudo que conhecemos: a guerra, a internet, a morte, a literatura, o amor, a inocência, as artes, a ciência e etc.
Não tem fim essa lista de coisas. Somos, ainda que contra nossos ideais, seres que criam seu próprio mundo. E esse é o nosso terror e o nosso encanto: temos todas as possibilidades, mas não podemos usar todas ao mesmo tempo.
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